Da existência ao esquecimento de nossa própria jornada, o que nos conecta ao contínuo do nosso propósito terreno nem sempre se apresenta de acordo com nossas expectativas.
Há sempre um enigma a ser desvendado em cada situação colocada sob nossa responsabilidade. Sua resolução, seu desdobramento, nossa incapacidade e nossas fragilidades, bem como nossas potencialidades e nossa resiliência, tensionam-se na mesma medida em que somos convidados a sair da inércia apática do fluxo cotidiano que nos condiciona ao automatismo de nossas respostas ao mundo.
Treinados, desde sempre, a responder eficientemente a todo e qualquer estímulo mundano, somos levados a acreditar que produtividade é sinônimo de sucesso e prosperidade.
Condicionados a crer que a necessidade de descanso é sinal de fraqueza e sinônimo de preguiça, lutamos diariamente contra nossos ritmos biológicos e criativos. Por causa disso, tornamo-nos cada vez mais técnicos diante de nossas tarefas.
A técnica se apresenta como uma salvadora da impossibilidade de sermos, cada qual a seu modo e ritmo, o que poderíamos ser se nos fosse permitido criar nossa própria existência. No entanto, a única coisa que ela realmente faz é nos conceder uma falsa sensação de estarmos produzindo com eficiência um cotidiano genuinamente bem-sucedido.
Indo direto ao ponto, não quero dizer que as técnicas não têm utilidade. Elas devem, sim, garantir o encurtamento de processos que outrora eram longos e consumiam nosso tempo. Porém, esse encurtamento deve servir aos processos criativos de nossas existências, e não ao propósito de produtividade em um modelo de linha de produção que carece de um sentido originariamente genuíno.
Reproduzir o que já existe é algo que qualquer inteligência artificial pode fazer.
Mas criar é uma habilidade humana, possível apenas se cultivada.
Como qualquer cultivo, a atividade de criar reside na escala do tempo. Por isso, a tecnicidade das coisas cotidianas nos serve bem — mas atenção a este ponto: ela nos serve como ferramenta que nos liberta para termos tempo, o bem mais precioso que nos é concedido durante nossa existência. A subversão da existência, contudo, revela-se na subtração da possibilidade do ato de criar em função de um modo de viver que valoriza apenas a produtividade selvagem e irracional de um modus operandi desconectado da essência criadora que, por definição, é o que nos aproxima de nossa humanidade.
Neste sentido, automatizados pela esteira da linha de produção, passamos a nos assemelhar mais às máquinas miméticas contemporâneas do que ao jeito orgânico do fazer criativo que, via de regra, nos torna imagem e semelhança do que somos enquanto espécie. Não pela reprodução de moldes e modelos de existir, mas pela multiplicidade, diversidade e originalidade de cada modo de existir, que nunca se repete nem se iguala em suas manifestações.
Aqui, o que proponho é que busquemos, incansavelmente, desvendar o enigma de nossas próprias existências a partir da perspectiva da originalidade que nos é inerente.
Claro que há contingências!
Dentro de todas elas — contas, prazos, metas, convenções sociais das mais diversas naturezas — dentro de cada solicitação que o mundo nos faz cotidianamente, proponho que nossas respostas sejam sempre originariamente nossas, criadas por nós e expressas por nossos modos únicos de existir no mundo. Assim, nossa existência não cairá no esquecimento perverso da ânsia de nos adequarmos ao mundo das aparências vazias de sentido.
Karina Zapater
Psicóloga
CRP 06/184974